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O Brado Retumbante

Por: em 18 de janeiro de 2012

O Brado Retumbante

Por: em

Sem spoilers.

 

 

A teledramaturgia brasileira sempre dialogou com a política, seja ela o foco da narrativa, como em O Bem Amado e Anos Rebeldes, ou um pano de fundo para dramas pessoais, como em Queridos Amigos. Infelizmente, o tema vinha sendo deixado de lado na TV, renegado a produções de pouca relevância, como a vergonhosa Amor e Revolução. Neste sentido, a nova minissérie da Globo resgata o tema e dá a ele um tratamento de qualidade: Se Dercy de Verdade não fez muito barulho, O Brado Retumbante é uma forte candidata a nova produção antológica da emissora, no patamar de A Casa das Sete Mulheres e Agosto.

Muita gente que eu conheço só liga a TV para assistir a filmes ou a produções do exterior – e eu não os julgo. Os canais abertos brasileiros dão exemplos tristes de manipulação, pão e circo e baixa qualidade em geral. Garimpar no meio de tanta porcaria programas que valham a pena é uma tarefa cada vez mais difícil. Por isso, esforços como O Brado Retumbante, no que diz respeito à dramaturgia, merecem nossa atenção. A questão política, se a minissérie seria ou não o início de uma campanha pró-Aécio da emissora, não me sinto na competência de julgar, e nem é este o objetivo deste post, que foca-se nos seus méritos enquanto ficção televisiva.

Um político sonhador, idealista, encarado sem seriedade por seus adversários, apesar da opinião pública favorável, vê-se repentinamente assumindo o cargo de Presidente da República, que ele nunca almejou nem mesmo em seus sonhos mais absurdos, após um acidente aéreo. Essa história seria muito mais interessante se desenvolvida em um ritmo mais lento, com maior enfoque no psicológico de seus personagens. Mas é um pouco utópico esperar que a série seja uma The West Wing tupiniquim: O Brado Retumbante tem o desafio de agradar um público preguiçoso, de trazer os bastidores do Planalto para a TV aberta em um país onde todos saem da sala quando começa o horário político.

O primeiro episódio, O Presidente Acidental, apresenta as situações, os personagens e suas funções dentro daquele panorama político nem tão fictício assim com todo o didatismo que o tema lhe permite, desde jornalistas explicando tudo pormenorizadamente à audiência a personagens lembrando constantemente ao protagonista Paulo Ventura (Domingos Montagner, Cordel Encantado) os cargos ocupados por seus adversários. Esses recursos, entretanto, não chegam a irritar, e são mais do que necessários no primeiro episódio de uma série que tem como lead-in o Big Brother Brasil – programa cuja audiência, no geral, é desatenta e gosta de tudo mastigadinho.

A trama apresentada foi mais do que satisfatória. Os desafios que Paulo tem à sua frente, tanto em sua vida pessoal quanto em seu governo, instigam e te fazem querer acompanhar mais. A minissérie nem tenta abandonar a moral preto-e-branco, as tramas novelescas ou os alívios cômicos caricatos, mas faz tudo isso com inteligência. Você não se sente assistindo a uma novela das oito melhor produzida: é um material diferenciado e superior em todos os aspectos. O roteiro funciona bem para a audiência convencional e também para nós, que preferimos a qualidade da TV lá de fora e ficamos constantemente frustrados com o cancelamento precoce de boas produções nacionais, como a divertida Decamerão. Gregos e troianos saem satisfeitos desta positiva experiência.

Os personagens introduzidos até aqui são bons, mesmo que relativamente simples. Para tentar tirar o protagonista da apática posição de bom moço, o roteiro caracteriza-o como um mulherengo cafajeste, o que o torna mais real, mas nada dúbio e longe do anti-heroísmo. Mesmo assim, ele é carismático, suas atitudes são, de certa forma, compreensíveis e a atuação de Domingos torna-o crível (vide a ótima cena final, em que ele toca o hino nacional em um oboé). Antônia (Maria Fernanda Cândido), a ex-mulher de Paulo que aceita manter com ele uma relação de aparências até que seu mandato como presidente acabe, é uma personagem densa, ressentida, deprimida, e ao mesmo tempo forte e elegante, a típica esposa de protagonista que não consegue equilibrar os negócios com sua vida familiar (uma versão menos chata da Skyler, de Breaking Bad). O ótimo Cacá Amaral é Saldanha, inseparável grilo falante de Ventura, que aconselha-o em todos os âmbitos de sua vida, em uma amizade de longa data que lembra a de Leo e Bartlet da já citada The West Wing.

Maria do Carmo Soares interpreta a mãe de Paulo, Julieta, a melhor personagem cômica da minissérie, mesmo que incorpore o esteriótipo da velha rabugenta. Alessandra (Alinne Rosa, vocalista da banda Cheiro de Amor) é a amante de Paulo, que promete causar problemas para o presidente e rendeu uma cômica reviravolta no final do episódio. No grupo dos vilões, temos os geniais José WilkerLuiz Carlos Miele como o Ministro Floriano e o big bad Senador, respectivamente. Eles pouco fizeram no episódio e aparentam ser personagens bastante planos, mas a cena no banheiro (com direito a palavrão e tudo) foi suficiente para torná-los interessantes.

Outros personagens apresentados, mas sobre os quais não sabemos muito, são a repórter Lúcia Wolf (Cristina Nicolloti), a terapeuta Regina (Ida Celina), o garçom “amuleto” de Ventura Oscar (Francisco Gaspar), o geek-prodígio Spencer Reed Otacílio Júnior (Jui Huang), a deputada protegida de Paulo Fernanda Drummond (Mariana Lima), a filha mais velha de Paulo, Marta (Juliana Schalch) e seu marido empresário Tony (Leopoldo Pacheco). E novos personagens aparecerão em breve, inclusive o polêmico filho de Paulo.

A produção tem ares cinematográficos. A câmera imita a de um documentário e a fotografia é sóbria, dando o tom de seriedade que a minissérie pede. Os cenários estavam impecáveis (ótima sacada transferirem o Palácio do Planalto para o Rio) e a produção é caprichada (os recursos gráficos me lembraram de Fringe). O roteiro usa alguns momentos da história política do Brasil e do exterior para fazer-se mais palpável, e o resultado é bastante positivo.

Minha recomendação é que você assista O Brado Retumbante, seja quais forem suas preferências políticas. Provavelmente é a melhor obra de ficção nacional na TV aberta, atualmente. Mas recomendo que aqueles que costumam ser chatos com produções brasileiras (não críticos, mas chatos, implicantes) passem longe. Já li críticas ao enredo, porque um presidente e um vice-presidente nunca viajam no mesmo avião (isso quando análises de DNA em séries americanas são feitas em cinco minutos), por não retratar a realidade da política brasileira (sendo que o slogan da minissérie é “O Brado Retumbante: um país, um presidente e uma realidade ideais“) e por não educar o telespectador brasileiro enquanto cidadão votante (sendo que esta nunca fora a pretensão da série – e se ela não educa, não colabora com a alienação). Para os profissionais que trabalham com mídia audiovisual no Brasil, colocar material inteligente e de qualidade no ar já é um desafio tremendo, portanto não há porque ficar gastando seu tempo tentando dificultar as coisas.

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João Miguel

Bela Vista do Paraíso - PR

Série Favorita: Arquivo X

Não assiste de jeito nenhum: Reality Shows

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