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Queer as Folk – Ousadia escorrendo pelos dedos

Por: em 23 de junho de 2012

Queer as Folk – Ousadia escorrendo pelos dedos

Por: em

Eu costumo dizer que Queer as Folk é, de longe, a série mais ousada que eu já assisti. Isso, claro, analisando em um contexto de época, trama, canal. Exibida entre os anos de 2000 e 2005, quando a temática homossexual ainda era um tabu e quase não dava as caras em produtos audiovisuais (parando pra pensar, eu só consigo me lembrar agora de Will & Grace), o seriado da Showtime veio quebrando (pré) conceitos e construindo uma trama sem cunho pornográfico ou escrachado, como geralmente acontecia na maioria das representações do universo à época.

É claro que não vou ser hipócrita: Queer as Folk tinha cenas de sexo. Tanto quanto qualquer outra série da Showtime, HBO ou qualquer outro canal fechado, como um True Blood da vida. O mérito do programa era exatamente não se reduzir a isso, trazendo o sexo como uma coisa que se encaixava na história, e não o contrário. Durante a primeira (de cinco) temporadas, ele aparece mais constantemente, mas pouco a pouco vai ficando de lado.

A produção é baseada na homônima inglesa, produzida por Russel T. Davies, o homem que trouxe Doctor Who de volta. A versão americana foi roteirizada por Ron Cowen e Daniel Lipman, distribuído pela Warner Bross Television e contava a história de um grupo de cinco amigos residentes de Pittsburgh, Pensilvania: Brian, Justin, Michael, Emmet e Ted, todos extremamente diferentes entre si, tendo em comum apenas o fato de serem gays. Completava a trama um casal lésbico amigo deles, Melanie e Lindsay.

Durante 83 episódios, Queer as Folk uniu o mundo das noites agitadas com os dramas pessoais de cada um de seus personagens, passando por questões de ordem política, social, religiosa, sem se mostrar “politicamente correta” ou qualquer coisa do tipo, retratando as situações com o máximo de verossimilhança possível, construindo bem seus personagens e se tornando, à época, um marco atemporal na luta e retratação dos direitos LGBT, além de expandir seu ângulo e trazer reflexões sobre relações, sejam elas familiares, amorosas ou profissionais.

Personagens principais

Brian Kinney (Gale Harold): O “mito”. Narrador da história em alguns pontos, é um executivo bonito, rico e bem sucedido, que passa as noites dançando na Babylon e faz sucesso com todos. Ninfomaníaco não declarado, para Brian tudo se resume a sexo. Egocêntrico, acredita que o mundo gira ao seu redor e isso o faz cometer muitas atitudes das quais se arrepende ao longo das cinco temporadas. Tão certo em declarar que amor e casamento não existem, é obrigado a rever tudo o que acreditava a partir do momento em que Justin entra em sua vida.

Justin Taylor (Randy Harrison): No começo da série, Justin ainda é um jovem um tanto quanto perdido. Acabou de descobrir sua sexualidade, ainda esconde isso de seus pais e, ao conhecer Brian em uma noite, tem seu mundo virado de cabeça para baixo e se apaixona loucamente pelo rapaz. A relação com Brian leva Justin do céu ao inferno, mas também faz com que ele seja o personagem que mais amadureça ao longo das cinco temporadas. Juntos, os dois formaram o casal pelo qual os fãs mais torceram.

Michael Novotnyb (Hal Sparks):  Melhor amigo de Brian desde sempre e seu principal companheiro em noitadas. Aficcionado por histórias quadrinhos, é o típico nerd. Filho de Debbie (Sharon Gless), que é a dona de um bar considerado como “ponto de encontro” entre os gays, nutre uma paixão platônica por Brian e, a princípio, apresenta resistência e ciúme à presença de Justin. Com o tempo, conhece Ben (Robert Gant), por quem se apaixona. É o “ponto de equilíbrio” entre todos.

Emmet Honeycutt (Peter Paige): De cara, é o que mais chama atenção do grupo, por ser o mais extravagante e adorar ser assim. Tem um envolvimento afetivo com Ted, seu melhor amigo da vida inteira, trabalha numa sex shop e, ao longo das temporadas, arruma vários empregos, entre eles até mesmo o de ator pornô.

Ted Schmidt (Scott Lowel): Amigão para todas as horas, é o que tem a auto estima mais baixa e vive se julgando pela sua aparência ou tipo físico. Representa a “crise da meia idade” (tem 33 anos), é contador. Inseguro, se martiriza muito o que acaba levando-o a problemas mais sérios (como drogas) no decorrer das temporadas.

Melanie Marcus (Michelle Clunie): Esposa de Lindsay, advogada, é quem geralmente resolve os problemas judiciais dos rapazes. Não tem uma relação muito boa com Brian, já que ele e Lindsay são amigos há muito tempo, o que os torna bem próximos. Melanie é muitas vezes seca, fechada e grossa, mas por trás de tudo isso, tem um grande coração e muitas vezes serve como ponto de apoio para quem precisa.

Lindsay Peterson (Thea Gill): É amiga de Brian desde o colegial, com quem tem uma íntima e verdadeira relação – uma das poucas no que diz respeito a ele, vale ressaltar. Brian foi o pai de seu filho, Gus, o que acaba causando alguns confrontos entre os dois no que diz respeito ao menino. É professora de arte e esposa de Melanie. Sofre com o preconceito dos pais, religiosos fervorosos, que não aceitam o “modo de vida” da filha.

  • Outros personagens: Há também personagens como Debbie e Tio Vic (Jack Wetherall), que estão presentes em vários momentos da série e outros como Ben e Hunter (Harris Alan), que aparecem com a história já encaminhada, mas que terminam se tornando tão importantes quanto os outros.

Temas abordados

Ao longo de 5 temporadas e 83 episódios, Queer as Folk falou sobre muita coisa. Uma das características da série era o ritmo contínuo de acontecimentos; às vezes, quase ininterrupto. Dentro do universo LGBT, praticamente tudo foi abordado. Muitos criticam a série pelos personagens até um pouco “estereotipados”, no que diz respeito ao fato de Brian ser o gay pegador, Michael o gay nerd, Emmet o drag queen e por aí vai… A bem da verdade, isso não é uma coisa rotatória e eles são realmente aquilo que são. Pra mim, o mérito da série é justamente não restringir todos a um só rótulo, mas mostrá-los cada qual com suas diferenças, estilos, gostos, qualidades, defeitos… Sem esquecer que, acima de tudo, eles são seres humanos.

O cuidado com o corpo, o problema sério das DST’s, HIV em si, política, propostas, adoção, casamento, barriga de aluguel, política, intolerância, homofobia, aceitação familiar, o submundo das drogas, carreira profissional, intolerância… Praticamente tudo foi abordado. Alguns temas de maneira superficial, claro, mas outros bem detalhados e envolvendo grandes arcos de episódios.

Um exemplo é o plot da última temporada, que envolve a Proposta 14, uma lei (que, assim como tantas outras da vida real) impediria o casamento gay, o direito a adoção e a formação da família. Talvez o arco mais pesado da série, quando colocamos em perspectiva suas consequências com a explosão da Babylon perto do fim, que confere um tom de tristeza e e melancolia aos 3 capítulos finais da série. Há, também, temas que não se restringem ao universo LGBT, como o tempo, a crise de meia idade.

Um dos grandes diferencias de Queer as Folk foram seus diálogos, sempre carregados e certeiros.

Brian: Não é mentira, se são eles que te fazem mentir. Se a única verdade que eles conseguem aceitar é a própria.

Brian (para o pai de Justin, quando este assume sua sexualidade): Então, para Justin viver aqui com vocês, ele precisa negar quem ele é, como ele pensa e como ele se sente… Desculpe, senhor, mas isso não é amor. É ódio.

Brian: Seu estúpido, nunca deixe que qualquer um transe com você sem preservativo.
Justin: Você não é qualquer um.
Brian: Sim, eu tenho certeza que é o que Ben achava sobre o cara que o infectou. Eu quero você seguro. Eu quero você por perto por muito tempo.

Michael: De maneiras que talvez ninguém entenda, esses super-heróis são muito parecidos comigo. No trabalho, eles são mansos, subvalorizados … Eles são os caras que nunca fazem sexo. E quando eles estão perto de outras pessoas, eles nunca podem deixar ninguém chegar muito perto com medo de que suas verdadeiras identidades sejam descobertas.

Emmet: Por que contar a alguém? Por que perder tudo quando se pode simplesmente ser o seu segredo? Você vê, era diferente para mim. Todo mundo sabia quem eu era, desde o início e isso não fez a minha vida mais fácil. Fui espancado, amaldiçoado, cuspido, ignorado … mas de uma maneira que valeu a pena. Porque eu nunca tive que viver uma mentira e eu não estou prestes a começar uma agora. Nem para você, nem para qualquer um.

Brian: Nós somos gays. Nós não precisamos de casamento. Nós não precisamos de sanção de políticos e sacerdotes. Nós transamos com quem queremos, quando queremos. Esse é o nosso direito dado por Deus.
Michael: Mas também é nosso direito dado por Deus ter tudo que as pessoas heterossexuais têm. Porque nós somos tão humanos quanto eles são.

Drew Boyd: Me pediram para dizer algumas palavras esta noite. Eu perguntei “Por quê?” Eles disseram: “Porque você é um herói.” Um herói … Porque eu jogava futebol? Porque depois de uma vida de negação eu estava finalmente honesto sobre quem eu sou? Eu não chamo isso de ser herói. Ser herói é estar de pé para os direitos que você merece, não importa quais as conseqüências. E isso é exatamente o que aqueles que foram feridos … e que perderam a vida ontem à noite estavam fazendo. Ou tentando antes de serem parados. Mas eles estavam contra um poderoso adversário – o ódio. O ódio se espalhou por aqueles que querem negar aos outros o que é deles por direito. Em nome de Deus,  família ou seu país. Eu acho que eles esqueceram que a América pertence a todos.

Melanie: Eu costumava odiar quando Brian dizia: “Existem dois tipos de pessoas heterossexuais no mundo – aqueles que te odeiam na sua cara, e os que odeiam você pelas costas”, porque eu sei que não é verdade, há uma abundância de pessoas heterossexuais que não nos odeiam. Mas os que não deixaram de fazê-lo nas nossas costas… eles podem fazê-lo na Casa Branca, nas igrejas, na televisão, nas ruas? É o lugar que queremos criar nossos filhos?

Michael: Na verdade, essa não é a verdade. Claro que, em muitas maneiras, eu sou como vocês. Eu quero ser feliz, eu quero um pouco de segurança, um pouco de dinheiro extra no bolso, mas em muitos aspectos, minha vida não é nada como a de vocês. Por que seria? Será que todos nós temos que ter a mesma vida para ter os mesmos direitos? Minha mãe me disse uma vez que as pessoas são como flocos de neve, cada um especial e único. Ser diferente é o que nos torna todos iguais. É o que nos faz familiar.

Michael: [para Justin, sobre Brian] Se você me perguntar, ele tem sido muito bom para você. Ele salvou sua vida, ele te protege, ele cuida de você … E se você acredita ou não, ele te ama, mais do que ele já amou alguém.

Brian: Eu não quero estar com alguém que sacrifique sua vida e chame isso de amor… por mim.
Justin: Nem eu.

Momentos marcantes

Episode 1×01/02 – Pilot/Queer, There and Everywhere

É o primeiro episódio da série, que apresenta os personagens e, dentre tantos outros acontecimentos marcantes, traz o primeiro encontro entre Brian e Justin. Ainda no mesmo episódio, temos a chamada “Superman scene”, uma das melhores da série, compartilhada por Brian e Michael. Pela cena já fica claro, desde o começo, o quão forte é a ligação que eles possuem.

Episode 1×22 – Full Circle

É o baile de formatura de Justin. Brian surge de surpresa na festa e dança com Justin diante de todos, o que desperta o ódio de alguns. Ao final da festa, enquanto Justin beija Brian no estacionamento, é atingido por um taco de baseball na cabeça e tem que ir para o hospital. Gale Harold, em sua melhor atuação na série, dá um show nas sequências posteriores no hospital, enquanto Brian, ainda carregando a echarpe suja de sangue, aguarda, impotente, que Justin seja atendido.

Episode 2×11 – The Wedding

O casamento “oficial” de Melanie e Lindsay. As duas demoraram pra chegar um consenso sobre a cerimônia (Enquanto Lindsay queria muito, Melanie achava desnecessário), e foi somente no meio da 2ª temporada que Melanie finalmente cedeu e as duas realizaram uma simples e bonita cerimônia para celebrar seu amor.

Episode 3×14 – The Election

Depois de enfrentarem diversos obstáculos como a criação de Hunter, a insegurança de Michael e a doença de Ben, o casal conseguiu ter um momento de paz durante uma viagem a Toronto, onde Ben surpreendeu Mike com um pedido de casamento, que culminou em um casamento relâmpago no melhor estilo Vegas. Mas não sem antes Michael e Brian discutirem sobre o assunto.

Episode 4×01 – Just a Little Help

É o momento onde Michael e Ben perdem no tribunal o processo que moviam pela guarda de Hunter, o garoto de rua que eles cuidaram. A mãe do menino vence o processo e, inconformado por ter que se afastar de Michael e Ben, as primeiras pessoas que lhe deram amor e um lar, Hunter diz à mãe que tem HVI, provocando uma reviravolta na história.

Episode 5×10/11 – I Love You/Fuckin’ Revenge

Um dos melhores e mais chocantes episódios da série. A 3 episódios do final, uma explosão atinge a Babylon (boate frequentada por todos), em um dos mais pesados atos de intolerância retratados na série. Entre diversas outras consequências, o momento faz com que Brian, após 5 temporadas, diga “eu te amo” (não que fosse necessário, já que ele havia demonstrado isso muitas vezes) para Justin depois de vivenciar a possibilidade de perdê-lo.

Um episódio depois, Brian pediu Justin em casamento, em uma das mais bonitas cenas entre os dois na série:

Episode 5×13 – We Will Survive(Series Finale)

Assim como toda a série, o final de Queer as Folk foi ousado, cru, real e doloroso. A última cena, com Brian dançando sozinho na Babylon, é o retrato de tudo o que a série, durante 5 temporadas, foi. O show soube se encerrar na hora certa, sem que houvesse um desgaste, um momento de chatice, uma trama desnecessária ou forçada.

No Brasil, a série ficou conhecida como “Os Assumidos”. O título da série, Queer as Folk, é uma piada com o ditado americano “nobody is so weird as folk” (ninguém é tão estranho quanto nós). A série é considerada, além de um marco, pioneira na representação LGBT na TV. Depois dela, vieram outras, como a também famosa The L World. Assisti a série tem uns 3 anos e agora, em época de summer season, acabei cogitando a possibilidade de revê-la e, assim, surgiu a vontade de escrever esse texto, já que não é uma série exatamente muito conhecida. São vários e vários os momentos marcantes da série e, se eu fosse colocar todos aqui, daria um texto gigante que provavelmente ninguém leria até o final. Então, fica a dica: Queer as Folk é uma série como poucas.


Alexandre Cavalcante

Jornalista, nerd, viciado em um bom drama teen, de fantasia, ficção científica ou de super-herói. Assiste séries desde que começou a falar e morria de medo da música de Arquivo X nos tempos da Record. Não dispensa também um bom livro, um bom filme ou uma boa HQ.

Petrolina / PE

Série Favorita: One Tree Hill

Não assiste de jeito nenhum: The Big Bang Theory

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