Durante um daqueles momentos procurando algo diferente no Netflix, deparei-me com Shameless (US). Nunca tinha ouvido falar da série, mas resolvi arriscar. Que surpresa boa! Para a minha alegria de maratonista, naquele momento, estavam disponíveis quatro temporadas e não consegui parar de assistir. Trata-se de uma comédia dramática, remake da série britânica de 2004, que estreou em 2011 pelo canal americano Showtime, contando a história da desajustada família Gallagher, que luta para sobreviver nos EUA pós-crise. Apesar de parecer uma narrativa simplória, não se engane: é uma história rica que surpreende a cada episódio nos fazendo chorar e, principalmente, rir muito.
Frank Gallagher (William H. Macy) é o patriarca da família que, após ter sido abandonado pela bipolar Mônica (Chloe Webb), “cria” sozinho seus seis filhos – Fiona, Lip, Ian, Debbie, Carl e Liam. Digo “cria”, entre aspas, pois Frank é um alcoólatra incurável que está sempre tramando um novo golpe para garantir o dinheiro da bebida, enquanto quem garante o “leite das crianças” é a filha mais velha, Fiona (Emmy Rossum). Ela conta com a ajuda de Lip (Jeremy Allen White) para manter alguma ordem na casa, ele é o segundo mais velho e, disparado, o mais inteligente da família. Já Ian (Cameron Monaghan) é um menino mais introspectivo lidando com sua sexualidade. Debbie (Emma Kenney) e Carl (Ethan Cutkosky) são dois pré-adolescentes nada parecidos: ela durona, porém insegura e emotiva; ele um psicopata com tendências perversas. O núcleo familiar fecha com Liam (Brenden Sims), o bebê da casa.
Já pelas características dos personagens centrais fica claro que Shameless não é uma série para todos os gostos. E, talvez, seja justamente isso que a torne tão interessante. Frank é fonte inesgotável de situações cômicas e absurdas, dotado de absolutamente nenhum escrúpulo. Fiona, apesar de ser a responsável pela casa dos Gallaghers, não consegue se comprometer com nada: nem empregos, nem namorados. Lip é o tipo de adolescente que, se criado em uma família mais tradicional, teria tudo para ser muito bem sucedido. No entanto, usa o cérebro para bolar maneiras de sair das furadas que ele – e o resto – se mete. Ian é um menino gay descobrindo sua sexualidade sem muita referência, o mais calado da barulhenta família. Debbie é a única que se importa com Frank, mesmo ele não se preocupando com ninguém. Carl é aprendiz de serial killer, o garoto é o capeta e, acredite, a série retrata isso de forma hilária! Liam é um bebê negro numa família caucasiana, deixando claro que Frank não é o pai, mas ninguém parece se importar com esse detalhe. E Mônica vive numa outra dimensão, completamente “viajandona”, aparece em alguns momentos cruciais para a trama.
Apesar de parecerem independentes, os integrantes dessa família contam muito uns com outros e são unidos nas suas loucuras, juntos se completam em uníssono. Na terceira temporada, Debbie passa por uma situação ruim e Fiona, consolando-a, dispara que “Nobody fucks with the Gallaghers”, a frase define essa família e se tornou a mais icônica da série.
Apesar de ser difícil para a maioria de nós conseguir nos identificar com personagens tão desajustados, o carisma deles aliado aos diálogos muito bem escritos e atuações impecáveis faz com que nos apaixonemos por cada um.
A trama ainda conta com outros núcleos, como os vizinhos Verônica (Shanola Hampton) e Kevin (Steve Howey), um casal de amigos praticamente integrante da família. A incrível Joan Cusack no papel de Sheila, uma mulher muito perturbada e engraçada, que sofre de agorafobia e é mãe de uma friend with benefit de Lip. Sheila e Frank protagonizam algumas das cenas mais hilárias da série. Caso ainda não tenha se convencido a assistir, faça por eles. Você não vai se arrepender, juro!
A abertura é outro show à parte, funcionando como um resumo já situa o expectador no contexto da série (as risadas começam ali). E a música – The Luck You Got, da banda The High Strung – casa muito bem com a narrativa apresentada.
Uma escolha muito boa do time que opera por trás das câmeras é o resumo dos episódios anteriores. Em cada “anteriormente em Shameless” aparece um ou mais personagens para contar ao expectador o que ele perdeu e, sempre, questionar o motivo disso, brigando com quem está do outro lado da tela. É uma abordagem diferente, que conversa com o público e faz com que se queira assistir até essa parte (que nós normalmente pulamos, não é mesmo?).
Se você não gosta do politicamente incorreto, a série não é para você. Os episódios são recheados de sexo, drogas, palavrões e comportamentos moralmente recrimináveis por parte de, bom, todos os personagens. Agora, se você não se importa com isso e quer assistir algo muito bem pensado e executado, rir bastante e se apaixonar pelos personagens mais errados da atualidade, pode se jogar – com perdão do trocadilho – sem vergonha em Shameless.
A série foi renovada para uma sexta temporada, com estreia para o ano que vem. Aproveite para fazer maratona das outras cinco enquanto 2016 não chega!