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Breaking Bad: O porquê de eu amar a TV

Por: em 26 de maio de 2010

Breaking Bad: O porquê de eu amar a TV

Por: em

Esse texto funciona como uma review do 10º episódio da 3ª temporada, Fly. Se você ainda não vê Breaking Bad, dá uma passada no texto do Caio, na coluna “Vale Cada Minuto!”.

Breaking Bad

Quando eu comecei a me viciar em televisão, tudo o que eu queria eram séries que me prendessem e me fizessem assistir a um episódio atrás do outro, na maior empolgação. Agora, alguns anos depois, claro que eu continuo querendo séries assim, mas existem tantas outras motivações que eu fui aprendendo com o tempo, que seria um absurdo eu comentar que televisão pra mim é só um entretenimento barato pra eu me distrair. O fato de eu ter começado a escrever aqui pro Apaixonados é uma prova disso. O hábito de assistir toneladas de séries virou um compromisso que vai além da pura e simples diversão, e o que Breaking Bad me mostra semana após semana é que por trás de tudo o que a gente vê na tela, existe um universo gigantesco que cada vez mais eu tenho vontade de conhecer e de me aprofundar.

O episódio de domingo passado, Fly, representa perfeitamente tudo isso. Na indústria americana, um episódio como esse é chamado de ‘bottle episode’ — a ‘garrafa’ significando um lugar fechado, um set único de filmagens. A equipe de produção tem um orçamento limitado pra trabalhar em toda a temporada, e quando uma série gasta mais do que deveria ou quer economizar pra fazer algo grandioso em algum momento seguinte, o ‘bottle episode’ se torna essencial porque traz uma redução de custos não apenas em relação ao lugar onde o episódio é filmado, mas ainda economiza no elenco que é reduzido ao mínimo possível pra se encaixar na situação prevista. Assim foi o caso com Fly, em que mais de 90% do seu tempo de exibição se passa dentro do laboratório construído pelo Gus, contando só com a presença das duas estrelas principais da série: Walt e Jesse (bom, e alguns figurantes na parte da lavanderia…).

Apesar de tudo, o que faz com que esses 40 e tantos minutos funcionem tão bem em um ambiente tão simples é a maneira exemplar com que a equipe de Breaking Bad trabalha. O roteiro soube deixar as coisas dinâmicas, possibilitando não só múltiplas interpretações — como a questão da mosca — como também levantou questões antigas — como a morte de Jane — o que criou uma tensão imensa em pontos cruciais do episódio. Já a direção soube se renovar a cada sequência, construindo o dinamismo do roteiro através de movimentos e posicionamentos de câmera diversos e de alguns outros detalhes que eu ainda vou comentar mais pra frente. E também tem as atuações, que foram responsáveis por dar vida a tudo isso. E que vida, QUE VIDA, Bryan Cranston e Aaron Paul dão a esses personagens.

Depois de boa parte da temporada separados, Breaking Bad nos deu um presente ao montar um episódio INTEIRO só com os dois em tela, discutindo assuntos que representam exatamente a essência da série. Através de uma mosca, um bicho minúsculo, praticamente inofensivo, o episódio fez surgir um turbilhão de emoções que resumem bem a história de Walt nessas 3 temporadas em que a série tá no ar. Walt é o cara super-controlador, que quer estar no comando de tudo, que quer consertar tudo… que ACHA que pode consertar tudo. A gente já viu isso na série em vários momentos: quando ele tira a sujeira na piscina do seu condomínio, quando ele arranca uma página de revista só pra consertar a perna bamba da mesa do hospital… É a mesma coisa com a mosca. É a vontade de deixar tudo a sua volta perfeito. O que ele nunca percebe é como isso é impossível, como ele não é esse ser supremo. Ele vai pra cima da mosca, mas cai da grade do laboratório e se espatifa no chão. Essa sim é a sua natureza: o cara que quer fazer o que acha certo, mas sempre acaba tomando as piores decisões possíveis.

Breaking Bad Jesse

A cena da queda, por sinal, é justamente um dos detalhes que a direção do episódio orquestrou tão perfeitamente. Quando o Walt se desequilibra na grade, é claro que não é o Bryan Cranston se jogando dali de cima, é um dublê. Mas assim que o dublê cai no chão, a câmera se aproxima dele pra revelar o rosto… que já não é mais do dublê, é do Bryan Cranston! Não houve corte nenhum. É um trabalho meticuloso da equipe de efeitos visuais pra que haja a troca de atores sem corte na cena. Tudo isso pra que a gente não perca a imersão no episódio. Pra que a gente fique sempre pensando no Walter White caído no chão, não no dublê caído no chão. Ou seja, é um nível de detalhismo que mostra um cuidado carinhoso com o trabalho. É exatamente o que eu falei lá no começo do texto e o que me empolga cada vez mais: eles superam as dificuldades da produção apertada e conseguem montar um negócio excelente mesmo assim.

Logo depois dessa queda, a mosca ainda dá uma de brincalhona e pousa loga no óculos do Walt — e é bizarro o que o Bryan Cranston faz nessa hora. ELE ATUA BEM COM UM OLHO SÓ. Tem coisa que é instintiva, claro que ele não comanda exatamente quando o olho dele tem que ficar vermelho daquele jeito, então aí eu já tô puxando o saco demais. Mas não tem como não elogiar o cara em alguns outros momentos do episódio, como, por exemplo, quando ele (já dopado pelo Jesse) começa a contar sobre o seu encontro com o pai da Jane justo no dia em que ele a deixou morrer sufocada. É chocante a sinceridade do Walt quando ele fala que já viveu demais, que era pra ele ter morrido nesse dia antes de sair de casa.

Nessa mesma cena, aliás, ele ainda comenta sobre a aleatoriedade das coisas e como o mundo é completamente caótico. É aí que pode surgir uma outra interpretação pra mosca no episódio. Logo na cena seguinte a gente vê um jogo de câmera que simula exatamente o voo do bicho: completamente randômico. De certo modo, é a mesma interpretação do Walt querendo controlar tudo a sua volta, só que em um nível ainda mais amplo. A mosca representaria tudo de aleatório que acontece em sua vida (bem… na de todo mundo), e a sua busca incansável pra matá-la representaria o seu instinto controlador que quer se sobrepor até ao caos de cada situação.

É por isso que quando o Jesse finalmente consegue acertar uma jornalada (!) em cima da mosca, o terror ainda não vai embora. Afinal, ela é apenas uma mosca no final das contas. É a IDEIA da mosca que assusta o Walt. É aquilo que não dá pra matar, que ele não consegue controlar. É o bicho banhado em vermelho na última cena, que o aterroriza à noite, que nunca o deixará esquecer de que ele já viveu demais por pura aleatoriedade. O câncer foi aleatório, a cura foi aleatória, o encontro com pai de Jane foi aleatório. Mas a metanfetamina não, a morte de Jane não, os primos atacando o Hank não. O randômico o aterroriza tanto porque é o que o força a encarar tudo aquilo que não é aleatório. E na sua vida, o que não é aleatório… é terrívelmente egoísta e cruel.

“My head isn’t the problem, Jesse. The fly is the problem.”

Breaking Bad Walt

Se eu falo que gosto mais de televisão do que de cinema, muita gente fecha a cara e acha estranho. Mas a construção dos personagens, as dificuldades de tempo e de orçamento que forçam a produção a fazer mais com menos, a história contínua que tem possibilidades de se desenrolar em uma trama muito mais envolvente do que a de um filme… São esses tipos de coisa que Breaking Bad faz tão, mas tão, MAS TÃO bem, que me permitem dizer sem medo como eu amo esse universo da TV. Ainda tenho lá as minhas dúvidas se a minha maior vontade é só assistir, comentar e analisar isso tudo, ou se algum dia eu ainda vou querer fazer parte desse meio, efetivamente lá dentro. Enquanto a decisão não vem, eu já fico feliz de fazer parte só da primeira opção. Até porque, se um ‘bottle episode’ no meio da temporada já me empolga tanto a ponto de escrever todo esse testamento, com certeza ainda tem muita coisa boa pra assistir, conhecer, comentar e compartilhar. Fiquei órfão de Lost nesse último domingo, mas ganhei um filho novo que já tá se tornando tão especial quanto.

Let’s go break bad! :–)

_____

P.S.: Falei, falei e mal comentei sobre a melhor cena do episódio: Jesse tentando matar a mosca naquela escada bamba, enquanto o Walt dopado tentava segurá-lo. Tensão gigante naquela cena não só por causa do medo do Jesse cair, mas principalmente, por causa da aflição de a gente não saber se o Walt confessararia ou não o que ele (não) fez com a Jane na noite de sua morte.

P.S. 2: Ri muito do Walt gritando BITCH quando o Jesse apagou as luzes do laboratório. Os dois se amam.

P.S. 3: Outro detalhe simples, mas que mostra um cuidado legal pra caramba: logo no começo, na transição entre as cenas do Jesse assoprando o metal e depois usando um instrumento que eu não faço ideia de como se chama. O super-sopro do instrumento se encaixa perfeitamente com o final da tomada anterior. Isso não acrescenta nada na história, mas é legal demais de se ver. (E em termos técnicos, se chama raccord.)

P.S. 4: A mosca não foi a única coisa pequena no episódio que representava muito mais que o seu tamanho. A bituca de cigarro com o batom de Jane pode ter tido o mesmo efeito em Jesse que a mosca teve em Walt.

P.S. 5: Sabe a primeira cena? Antes da vinheta de abertura e depois do ‘previously on’? Então… A produção encontrou no YouTube e pediu pra usar.


Guilherme Peres

Designer

Rio de Janeiro - RJ

Série Favorita:

Não assiste de jeito nenhum:

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