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Polêmica: TV brasileira vs. norte-americana

Por: em 6 de novembro de 2010

Polêmica: TV brasileira vs. norte-americana

Por: em

Elenco da minissérie Queridos Amigos;
no detalhe, o beijo entre os atores Guilherme Weber e Bruno Garcia

A televisão norte-americana é diferente da televisão brasileira em inúmeros aspectos. A maior diferença entre as televisões, talvez, esteja na ousadia das mentes criativas por trás das suas respectivas produções e, mais importante ainda, direções. No Brasil, em 2004, a Rede Globo vetou aquele que seria o primeiro beijo gay em uma produção da televisão aberta brasileira. O beijo aconteceria entre os atores Bruno Gagliasso e Erom Cordeiro, na novela América. No ano anterior, em 2003, a mesma rede de televisão havia exibido um beijo lésbico entre as atrizes Aline Moraes e Paula Picarelli. Quer dizer, não um beijo, um selinho, nada mais. Alguns, consideram avanço, eu não. Na minissérie Queridos Amigos (2008), houve a exibição de um beijo entre os personagens Benny e Pedro Novaes, interpretados, respectivamente, por Guilherme Weber e Bruno Garcia. Entretanto, a cena em questão foi um beijo roubado e não um ato consciente entre as duas partes. Alguns, novamente, consideram avanço. Eu não.

E se estamos falando da Rede Globo e suas censuras, não é possível nem estender o assunto às outras emissoras brasileiras tendo em mente que, das poucas que produzem seus próprios conteúdos de entretenimento e arte, um beijo gay/lésbico não teria nem lugar nem espaço. É tudo muito velado, feito às escondidas. Preferem dar a entender que um beijo seria o desfecho de uma cena a realmente mostrá-lo. A sociedade brasileira ainda é presa em conceitos que hoje não fazem muito sentido; os principais deles, claro, aqueles galgados em princípios religiosos. Mas este já é outro campo de discussão, deixemos para outro momento. Quem não se lembra do papel de Débora Falabella na novela de Glória Perez, O Clone (2001)? Ela interpretava uma menina que vivia nos padrões da classe alta brasileira e era viciada em cocaína. É importante que realidades como essa sejam mostradas ao público. E não é isso que critico nas produções brasileiras. O que me preocupa, na verdade, é a forma que essas realidades são apresentadas ao público. O conservadorismo, também, é um dos fatores que impedem essa situação de ser diferente.

Nos Estados Unidos – e aqui abro um espaço para deixar claro que os Estados Unidos não são, não foram e talvez nunca venham a ser um modelo 100% correto a se seguir, mas, neste caso, acho que a televisão brasileira teria muito a aprender com os habitantes da parte norte da América -, as televisões aberta e fechada vivem outra realidade. Enquanto no Brasil assuntos como o falado beijo gay ganham discussões fervorosas ao redor do país e, ao final, o ato em si, nas produções, acabam vetados, a série Big Love, exibida pelo canal pago HBO, por exemplo, provocou a sociedade norte-americana com a revelação de que um de seus personagens principais é gay. A série, que conta a história dos mórmons poligamistas de Utah, provou que sabe contar uma história forte, independente do assunto que for.

Na trama, Matt Ross vive Alby Grant, um polígamo marido de três esposas. Grant, depois de passar anos procurando apenas sexo por sexo com outros caras em diversos lugares (parques, banheiros públicos), envolve-se sentimentalmente com Dale Tomasson, interpretado por Benjamin Koldyke – na trama, também casado. Depois que a mulher de Dale descobre sobre o affair deles, ele suicida-se. É disso que eu falo. A forma de se contar uma história, de se mostrar os tipos de realidades que uma boa parte da humanidade vive. Quantos são os homens casados  hoje que se relacionam com outros homens e colocam suas mulheres à mercê de doenças sexualmente transmissíveis como a AIDS, por exemplo? E há quanto tempo isso não se configura uma realidade não só brasileira como mundial?

Momentos da trama de Breaking Bad; nas imagens menores, a do centro, o ator Angelo Martinez,
que na trama, com 10 anos, é assassinado por causa do tráfico.

Outra série ousada, exibida pelo também canal pago AMC, Breaking Bad, conta outra história fortíssima. Um professor de química, vivido por Bryan Cranston, descobre um câncer de pulmão malígno aos 50 e poucos anos de idade. Depois de muito pensar em como faria para deixar sua família abastada – financeiramente falando, pelo menos – caso a morte fosse seu destino, encontra na produção de crystal (metanfetamina) a solução para seus problemas. O cenário, o plano de fundo da série, é completamente diferente do mostrado na produção brasileira de O Clone. Enquanto os filhinhos de papais estão viciando em cocaína – que é uma droga que realmente causa dependência quimíca mas que não chega aos pés dos cristais -, na trama norte-americana uma criança de 10 anos, aviãozinho do tráfico, é assassinada a sangue frio, ali, na cara dos telespectadores, sem cortes, sem censuras. A realidade tal qual ela é. Realidade esta que, inclusive, faz parte  do dia a dia das favelas brasileiras. O que foi a tentativa de se mostrar a realidade de uma favela na novela global Duas Caras, exibida em 2007? Não dá. Aquilo não é real. Até mesmo na linguagem obscena a televisão norte-americana bate na brasileira. Não que seja grande vantagem poluir mentes e ouvidos das pessoas com palavrões e expressões de baixo calão, mas é inegável o quanto isso aproxima a trama e seus personagens à realidade das pessoas.

Voltando à temática do beijo gay, um dos maiores canais de televisão aberta norte-americano, a rede ABC, não hesita em mostrar o que é necessário mostrar. A série Desperate Housewives, no ar há mais de sete anos, recebeu em 2009, em sua história, a personagem Robin Gallagher, interpretada por Julie Benz. No papel, Julie vive uma ex-stripper lésbica que se apaixona por uma das personagens do elenco fixo da série, Katherine Mayfair (interpretada por Dana Delany). O beijo lésbico entre as atrizes aconteceu muito rápido, no capítulo seguinte à introdução da personagem. Outra das housewives principais da série, Bree Van De Kamp, interpretada por Marcia Cross, lutou muito contra seus princípios (na maior parte, religiosos) e preconceitos pelo fato de seu filho, Andrew (Shawn Pyfrom), ter se assumido gay na adolescência.

À esquerda, elenco completo de Modern Family. No detalhe,
o beijo que ocorreu no episódio “The Kiss” entre os atores Jesse Tyler Ferguson e Eric Stonestreet

Modern Family, um dos carros-chefe do canal ABC no quesito comédia para família, é também uma produção, no mínimo, ousada. A série tem, entre seus personagens principais, um casal gay. Jesse Tyler Ferguson e Eric Stonestreet, Mitchel e Cameron, respectivamente, são pais de Lily e vivem tranquilos no subúrbio. Durante toda a primeira temporada da série, não houve nenhum beijo entre o casal. Os afetos limitavam-se a abraços, no máximo um beijo no rosto. Entretanto, a pedido da audiência, a direção da série voltou atrás na decisão e, no episódio do dia 29/9, “The Kiss”, o segundo da segunda temporada, o beijo entre o casal aconteceu. É disso que eu falo. Na época do veto na novela América, por exemplo, a repercussão foi gigantesca. Canais de entretenimento no Brasil e a grande parte da mídia online criticaram a decisão da Globo. E o que fora feito? Deixo para vocês responderem.

Essa pequena análise não quer dizer que desvalorizo tudo o que as produções nacionais já fizeram até aqui, pelo contrário. Acredito que, a partir da análise do que já nos fora apresentado até aqui e o que é apresentado lá fora, é mais do que intrínseco ao ser humano ansiar por mais. Não é só fato de um beijo gay ser vetado ou da realidade de uma favela não ser reproduzida de forma mais autêntica – como até chegou a acontecer em A Lei e o Crime, minissérie produzida e exibida pela Rede Record em 2009 – que me fazem querer fazer este comparativo. É um pouco além disso. Nossos autores, com a utilização da internet, cada vez ganham mais voz e provam por seus discursos que eles também gostariam que a arte no Brasil tivesse um tratamento diferente. É disso que tentei falar: a arte como um elemento de  integração da sociedade.


Lucas Soares

Série Favorita:

Não assiste de jeito nenhum:

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