Ao que tudo indica, o canal Starz anda empolgado com produções de época. Com o sucesso considerável de Spartacus: Blood and Sand – e quando digo considerável tenham em mente que os números da Starz não se comparam a nenhuma HBO ou Showtime da vida, por favor – a emissora resolveu apostar em outra trama com premissa violenta, luta pelo poder regada a muito sangue. Pelo menos foi o que pensei quando li a notícia de que a Starz havia comprado a minissérie The Pillars of the Earth, uma produção germano-canadense com um dedo dos irmãos Tony e Ridley Scott. Mas acho que me enganei um pouquinho.
Primeiramente, vamos às apresentações: The Pillars of the Earth é uma minissérie em 8 episódios adaptada do best-seller de mesmo nome escrito por Ken Follett e publicado pela primeira vez em 1989. A trama é cheia de ramificações, por vezes intrincada e, embora a história seja vendida como um romance sobre a construção da primeira catedral gótica da Inglaterra, o plot principal envolve histórias de traição, intrigas políticas, golpes de Estado e a luta pelo poder numa época situada perto da metade do século XII, conhecida como A Anarquia.
A série começa justamente com os eventos que resultaram no início da Anarquia: o naufrágio sem sobreviventes da embarcação conhecida como White Ship, que levava à bordo William, o único filho homem do já em idade avançada rei Henrique I, logo, o sucessor ao trono da Inglaterra.
Como nem a Igreja nem os lordes tinham qualquer interesse em ser governados por uma mulher – e além de William o rei tinha apenas mais uma filha, Matilda – após a morte de Henrique I, seu sobrinho Stephan (que, reza a lenda, só não morreu no naufrágio porque teve que sair correndo da embarcação antes que ela partisse, devido a uma diarréia violenta), reivindica o trono e acaba sendo coroado rei da Inglaterra.
A coroação de Stephan (Tony Curran, recentemente visto como Lugo Elson na última temporada de 24 Horas) dá início a uma guerra travada por Matilda (Alison Pill, a April de In Treatment) e alguns leais amigos de seu pai como o conde Bartholomew (Donald Sutherland) pela retomada do trono.
A partir deste ponto somos introduzidos a um mundo de ambições políticas, eclesiásticas e sociais. Todas as boas e velhas histórias contadas em qualquer trama que retrate a Idade Média estão presentes na minissérie.
Temos Tom, O Construtor (Rufus Sewell, de Eleventh Hour) e sua família pobre, honrada e sofredora, que pena para sobreviver em tempos onde trabalho e comida andam escassos. Temos Waleran (Ian McShane, de Deadwood e Kings), o padre que ambiciona tornar-se bispo mais do que tudo no mundo e para isso usa e abusa de tudo e de todos que cruzarem seu caminho, sempre em nome de Deus. Temos Philip (Matthew Macfadyen, o Mr. Darcy de Orgulho e Preconceito), o padre que jura que não é ambicioso, mas para salvar a sua paróquia acaba fazendo alianças com gente da laia de Waleran. Temos Ellen (vivida pela atriz alemã Natalia Wörner), a ex-noviça que foi quicada do convento porque carregava no ventre Jack (Eddie Redmayne, visto em The Other Boleyn Girl), o filho bastardo de um homem condenado.
Mas mesmo com todos os clichês históricos, Ken Follett conseguiu criar uma história interessante de se acompanhar, cheia de ligações, onde os caminhos de quase todos os personagens acabam se cruzando e resultando em tramas atraentes e condizentes com o caráter dos personagens.
Como falei lá em cima, me enganei um pouquinho quando pensei que a produção abusaria de violência física. Em se tratando de uma trama medieval, onde a influência da Igreja Católica promoveu verdadeiros banhos de sangue e onde a luta de egos pelo poder sempre resultava em situações catastróficas, era de se esperar que isso acontecesse. Mas ao adaptar a obra de Follett, o roteirista John Pielmeier (que também aparece interpretando Cuthbert, o monge amigo de Philip) decidiu mostrar, pelo menos na primeira parte da minissérie, a violência emocional a qual eram constantemente acometidos os personagens.
Duas cenas muito bem montadas refletem bem esta visão do roteirista:
A primeira, o nascimento de duas crianças, uma delas o filho da princesa Matilda a outra o filho do construtor Tom. Ambos os nascimentos foram sobrepostos na mesma cena, mostrando a felicidade de ricos e pobres diante da chegada de seus herdeiros, mas por razões completamente diferentes: Matilda estava feliz porque finalmente havia nascido um herdeiro homem ao trono da Inglaterra; Tom estava feliz porque a esposa apresentava um sangramento e ele achava que ela não chegaria a dar a luz.
Mas a felicidade dura pouco. Logo vemos que a esposa de Tom não resiste ao parto e Stephan resolve agir rapidamente, com a ajuda do ambicioso padre Waleran, envenenando a comida do rei e usurpando o trono. O que nos leva à segunda cena mencionada: em outra bela montagem de cenas sobrepostas somos golpeados pela escolha de Tom, que ao perceber que não teria como alimentar o filho recém nascido (sem dinheiro, vagando pelos bosques à procura de trabalho, enfrentando o inverno europeu sem um teto para dormir à noite), decide deixá-lo para morrer de frio, em cima da sepultura recém tapada da própria esposa. Ao mesmo tempo em que presenciamos a angústia de Tom, vemos a felicidade mesquinha de Stephan ao ser coroado rei.
Ainda é muito cedo para dizer se a obra de Follett será fielmente adaptada ou se a minissérie vale cada minuto assistido, mas algumas coisas são certas: a história é muito boa, a maior parte do elenco dá bem a conta do recado e não tive vontade de pausar o episódio nenhuma vez durante os 56 minutos dele.
Ah, e vale lembrar que a minissérie já tem uma espécie de continuação garantida. A adaptação de World Without End, considerado uma parte II da saga e que trata da história dos descendentes de alguns dos personagens principais de The Pillars of the Earth, 200 anos após os acontecimentos do primeiro livro, já foi encomendada pelo canal Starz. Terá 8 episódios também.
