Aquele em que dizemos adeus

Pra quem não sabe, o Apaixonados por Séries existe há quase dez anos. Eu e Camila…

O que esperar de 2018

Antes de mais nada, um feliz ano novo para você. Que 2018 tenha um roteiro muito…

Sherlock – 2×01 A Scandal In Belgravia

Por: em 5 de janeiro de 2012

Sherlock – 2×01 A Scandal In Belgravia

Por: em

“Boys, you’ve got another one!”

A primeira temporada de Sherlock não deixou dúvidas quanto a capacidade da equipe da BBC One de produzir um material verdadeiramente criativo e de qualidade a partir dos livros de Conan Doyle, que consegue se destacar entre uma infinidade de adaptações por seu requinte e boa execução. A dúvida era: conseguiriam Moffat, Gatiss e companhia continuar surpreendendo no segundo ano da série de telefilmes, mesmo com toda a expectativa despertada pela primeira temporada, expectativa esta potencializada pela promessa de transportar para a TV – e para a nossa época – as três histórias prediletas dos sherlockianos? Pois em A Scandal in Belgravia, eles não se deixaram intimidar pela pressão e entregaram um episódio tão bom quanto ou até superior a seus três antecessores.

Que hiatus foi esse, hein, BBC? Entre The Great Game e A Scandal in Belgravia foram dezessete meses de espera angustiante pela resolução do cliffhanger envolvendo Moriarty, Holmes, Watson e uma bomba. Neste sentido, é fato que os fãs não foram devidamente recompensados: apesar de divertido, o desfecho do impasse foi bastante decepcionante. Mas é esta cena quem dá o tom do episódio: fugiu do óbvio, foi criativa, diferente de qualquer coisa que poderia ser vista nos livros e derrubou qualquer teoria que os fãs pudessem ter formulado com sua bem humorada imprevisibilidade. Assim foi A Scandal in Belgravia. Steven Moffat decidiu correr o risco de não dar ao telespectador o que ele queria, mas tentar satisfazê-lo por outros meios – e alcançou seu objetivo.

Scandal soube brincar com elementos clássicos que Doyle imprimiu no imaginário coletivo, em um estilo similar ao de A Study in Pink, mas a vantagem aqui é que o roteiro pôde utilizar também as expectativas e especulações da fanbase conquistada pela primeira temporada. Longe de deixar questões como a debatida sexualidade de Sherlock (e de John) ou o possível vício em drogas do sociopata tornarem-se tabus dentro da série, o episódio escancara-os e dialoga com eles abertamente, e mesmo assim consegue preservar a elegância e a frieza do primeiro ano, ainda que nem mesmo estes aspectos tenham permanecido intocados pelo texto de Moffat: assim como nos episódios que roteiriza em Doctor Who, ele parece não ter limites, chegando a desestabilizar diversos pontos considerados pacíficos pelos telespectadores.

Quem disse, por exemplo, que o Sherlock desta reimaginação é o grande combatente do crime, temido e odiado por todos os malfeitores britânicos, o astro ao redor do qual orbita cada personagem? Colocar Mycroft como o objetivo maior dos vilões foi uma sacada genial do episódio. Entretanto, foi tentando chegar a ele que Irene acabou se apaixonando pelo Little Holmes. Resta saber se Moriarty também desviou seu interesse para Sherlock ou se continua tentando usá-lo meramente como um meio de chamar a atenção de Mycroft.

Falando nos vilões do episódio, também aprovei a escassez de screentime de Moriarty, que serviu para reaproximá-lo do ardiloso arqui-inimigo dos livros, agindo através de uma teia de contatos manipulados por ele, quase nunca diretamente. Mas é fato que não assistir ao desenrolar de sua rivalidade com os irmãos Holmes de maneira mais presente foi frustrante. A versão contemporânea Irene Adler, entretanto, não poderia ter causado impressão mais positiva. Mais uma daquelas genialidades que só se pode esperar de Moffat, a dominatrix bissexual extremamente sexy, esperta e profunda, na melhor interpretação de Lara Pulver que eu já vi (em True Blood ela é bem arroz-com-feijão, não é?), mexeu com Sherlock e contribuiu para fazer deste o episódio mais divertido da série até aqui (além de cenas como Sherlock e John rindo no Buckingham Palace).

É interessante que, apesar da trama ter ficado mais intrincada e ganhado ramificações, este episódio tenha sido tão carregado de humor. Uma maior participação de Miss Hudson (fan’s fav desde 1887, seu carisma foi potencializado na atuação de Una Stubbs) também contribuiu para isso, além das brincadeiras com os efeitos visuais, que desta vez desempenharam um papel mais ativo e menos decorativo no desenrolar da história (vide as tentativas de Sherlock de descobrir o código do celular de Irene e a lista de mensagens terminadas com “let’s have dinner” no final do episódio). Mas foi o roteiro, rico em auto-referências, quem trouxe a leveza necessária a Scandal. A correlação blog-série está ficando cada vez mais divertida, e vale a pena ler as histórias de John (The Greek Interpreter é a minha preferida, das que não foram para a TV), além do blog de Molly e do próprio Sherlock. Uma ideia que poderia acabar em algo ridículo, e que já teve resultados desastrosos anteriormente (vide os perfis no twitter dos personagens de Damages) conseguiu ser bem aproveitada e tornar-se uma parte interessante da série.

Mas encontrar humor em uma série cinza como Sherlock e satisfazer as altas expectativas dos telespectadores não foram os únicos desafios superados pelo roteiro. Manter a imprevisibilidade de uma série baseada em um conteúdo produzido há mais de um século não é tarefa fácil, mas mais uma vez o episódio tem sucesso. Assim como nos três primeiros telefilmes, elementos dos livros servem apenas como base (e alusões esporádicas), mas a história segue rumos próprios. E que história Moffat contou em Scandal. A mega conspiração do governo britânico para frustrar uma operação terrorista e manter a anonimidade de seus contatos dentro da organização foi genial do início ao fim, talvez o caso mais ousado que a série já nos apresentou até agora, e teve uma execução perfeita. Por mais que tentemos, não há como deduzir os casos de Sherlock, como fazemos em procedurals comuns (sem querer desmerecê-los). Sempre que chegamos a uma conclusão correta, a série nos surpreende com um plot twist que muda tudo. Longe de frustrar, isso é mais um atrativo da trama: o telespectador desta década tem sede de ser pego de surpresa, em meio a tantas produções previsíveis que a TV aberta americana vive vomitando em nossas caras (boring, como diria o detetive).

Apesar dos méritos do episódio, a sequência final foi difícil de engolir. Com um otimismo desnecessário, aquilo pareceu uma animação da Disney. A audiência aguentaria um desfecho mais sóbrio, se fosse necessário, e a série teria ganhado em dramaticidade. Entendo que o objetivo seja deixar a porta aberta para a volta da personagem (usar Irene em um mero episódio de uma hora e meia, mesmo em um episódio no qual ela tenha destaque, seria subaproveitá-la), mas isso poderia ter sido feito com mais classe.

Voltando à dramaticidade, o fator sentimento foi adicionado à equação, no melhor estilo Sherlock Holmes: através da dedução, da Química, da frieza. A cena do cigarro foi provavelmente o melhor momento dramático da série (será que todos os Holmes são assim?); é sempre um acerto se aprofundar em personagens tão ricos, mas a série faz bem em economizar estes momentos, tornando-os especiais. A descoberta do código (“I AM SHERLOCKED” foi Trending Topics) foi um climax grandioso (para compensar o fato de que não vimos o avião cheio de corpos explodindo no ar, o que seria extremamente cool) que nos levou a pensar na capacidade de Sherlock de sentir emoções humanas por um outro ponto de vista: o bromance com Watson mostrou-se uma parceria de sucesso, mas será que ele está preparado para um relacionamento mais íntimo? Acho que um namoro não seria nada positivo para a série, mas confio na habilidade dos roteiristas na condução deste plot.

Sherlock teve um forte reinício. A primeira das três partes da segunda temporada mostrou-se engenhosa, com texto, fotografia, atuações e efeitos geniais. A qualidade de Scandal provou que esta ótima surpresa de 2010 ainda tem muito a nos oferecer, levando a série a rumos inesperados e inteligentes. Mais uma vez, a BBC não decepcionou e fez nossa longa espera valer a pena, e se Moffat conseguir manter este alto padrão nos próximos episódios, poderemos dizer que a segunda temporada conseguiu ser superior à primeira. The game is afoot – again.

E você, sentiu-se recompensado pela espera?

P.S.: Belgravia é o distrito de Londres onde encontra-se o Buckingham Palace. O conto no qual o episódio é inspirado chama-se A Scandal in Bohemia (Um Escândalo na Boêmia), e você pode lê-lo aqui, para comparar a Adler de Doyle com a de Moffat.

P.P.S.: O celular de Irene Adler é um smartphone de luxo, o  Vertu Constellation Quest. Os preços são US$10.700 na versão em aço inoxidável e US$16.700 em ouro 18 quilates.


João Miguel

Bela Vista do Paraíso - PR

Série Favorita: Arquivo X

Não assiste de jeito nenhum: Reality Shows

×