Aquele em que dizemos adeus

Pra quem não sabe, o Apaixonados por Séries existe há quase dez anos. Eu e Camila…

O que esperar de 2018

Antes de mais nada, um feliz ano novo para você. Que 2018 tenha um roteiro muito…

The Walking Dead – 2×03 Save The Last One e 2×04 Cherokee Rose

Por: em 13 de novembro de 2011

The Walking Dead – 2×03 Save The Last One e 2×04 Cherokee Rose

Por: em

Derrotadas, maltratadas e frias, minhas crianças viverão apenas para envelhecer.

Laura Marling em “Rambling Man

Os dois episódios mais recentes de The Walking Dead mostraram bastante preocupação da parte dos roteiristas quanto a abordagem de temas como religiosidade, motivações, prevalência de preceitos morais em situações de completo desespero, esperança e medo: a série vem tentando encontrar profundidade em sua trama, e isso é louvável, mas nem sempre traz os resultados mais inspirados. Para compensar os atrasos nas reviews, seguem abaixo os comentários dos episódios três e quatro desta temporada.

A série surpreendeu ao mostrar-se tão segura de si um episódio que fugiu tanto da história da graphic novel quanto Save the Last One – quase tudo aqui foi original e quase tudo funcionou. Voar com as próprias asas durante uma adaptação nunca é a alternativa mais segura ou mais simples, mas é a que está dando certo (até certo ponto) em The Walking Dead, aumentando a sensação de imprevisibilidade e preservando a euforia causada pelos plot twists, mesmo para quem acompanha a saga de Rick Grimes pelos quadrinhos.

Save foi um episódio intenso. Sustentando-se não só no suspense imediato, mas também no curioso flashforward de seu início, ele deixou o telespectador em estado de alerta o tempo todo – mesmo durante as sequências que não envolviam nenhum walker. Alguma coisa grande estava para acontecer, e nem mesmo os leitores fieis dos quadrinhos de Kirkman escaparam dessa sensação de apreensão. O assassinato de Otis já podia ser previsto quando Shane chegou sozinho e transtornado, mas isso não é nenhum demérito: foram cerca de quarenta minutos segurando essa bomba.

Não sei que consequências a atitude de Shane trarão no futuro, mas gostei muito da escolha de colocá-lo matando o Otis, situação bem distante da que acontece na HQ. Não acredito que isso tenha representado uma mudança radical na personalidade dele (ainda que sua frieza no episódio seguinte tenha indicado isso), mas vejo isso como uma maneira de conduzir a história do personagem, pouco a pouco, ao mesmo destino da obra original. Só achei muito sacana da parte dele não ter atirado na cabeça de Otis, impedindo-o de se tornar um zumbi e de sentir seu corpo sendo devorado pela manada. Aliás, não acho que o que ele fez tenha sido um sacrifício necessário e justificável, muito menos altruísta: ele, que estava com a perna machucada, poderia simplesmente ter se matado, instruindo Otis antes disso.

Enquanto isso, a busca por Sophia arrasta-se sem grandes novidades, além de Carol choramingando (já deu, né?). O plot ao menos serviu para colocar Daryl e Andrea na floresta, em boas cenas – entre elas, um dos diversos diálogos existenciais do episódio. A motivação suicida de Andrea está sendo um tema muito mal explorado e completamente avulso no contexto dessa temporada; a personagem parece uma adolescente insuportavelmente inconstante. Espero que esse episódio tenha servido para encerrar essa história de uma vez por todas, e para começar uma mais promissora: um possível relacionamento entre a moça e Daryl – que continua sendo o melhor personagem so far. Outro casal que tem química é o formado por Glenn e Maggie, meus personagens favoritos dos quadrinhos. Adorei vê-los tendo mais relevância neste episódio, apesar da pieguice da cena na varanda.

Tivemos ainda os plausíveis questionamentos de Lori, se não seria mais humano deixar que seu filho partisse sem ter que viver uma vida de horrores e tragédias. Essa questão “sobreviver-para-quê” já havia sido explorada várias vezes, todo mundo sabia que o Carl não morreria e o roteiro não foi nenhuma preciosidade, e mesmo assim este estava sendo um dos momentos mais tocantes da série até aqui. Aí o Rick pegou o veado pela galhada e jogou na cara dos telespectadores, destruindo qualquer possibilidade de elogios a essa cena. Ou a série passa a tratar seu simbolismo e suas metáforas com mais sutilidade ou é melhor que ela se renda ao creepy-cool sem se preocupar mais com seu “sentido maior”.

Falando nisso, cenas bem típicas da série, que fazem você rejeitar a comida ou pular da cadeira, também não faltaram. Destaque para o zumbi pendurado na árvore (pelo que eu entendi, suas pernas foram comidas antes dele ter reanimado, evitando aquele que seria o maior furo no roteiro da história da ficção com mortos-vivos), para o Shane pulando da janela e sendo agarrado por um zumbi (me borrei aqui), para o rosto do Otis sendo comido (Shane foi realmente um grande filho da mãe) e para a sequência que termina com Otis salvando Shane de um grupo de zumbis.

Save the Last One foi um episódio muito importante para a construção da reputação que a série tem procurado ostentar: a de um poderoso drama capaz de emocionar, fazer pensar e instigar. Desde seu início, The Walking Dead mostrou que não se contentaria em ser apenas um rostinho bonito em decomposição, mas que também queria alcançar a profundidade da graphic novel – quiçá expandi-la. Até hoje, esse objetivo não foi alcançado. Alguns culpam as liberdades tomadas pelos roteiristas em relação aos quadrinhos, enquanto outros não se importam com esse aspecto da série. O fato é que os roteiristas se importam, e esse episódio foi uma prova de que a perseverança dos mesmos em conciliar drama e suspense, na tentativa de agradar as duas parcelas de seu público, pode render bons frutos.

Uma temporada maior proporciona o estabelecimento de tramas mais intrincadas, cujo desenvolvimento exige mais tempo. Entretanto, a presença de fillers faz-se necessária dentro do planejamento de um show, mesmo daqueles que não seguem uma fórmula declarada. Até The Sopranos e Battlestar Galactica já renderam-se a esse momento de dar uma desacelerada e dedicar-se a tramas (e a personagens) que não têm tanta importância no big picture, mas cabe aos roteiristas assegurar que o telespectador não sinta que aquele episódio foi puro tempo perdido. E como um filler, Cherokee Rose funcionou muito bem.

A começar pelas conversas entre Rick e Hershel. Enquanto líderes de diferentes grupos de sobreviventes, cada um quer defender os interesses de seus respectivos protegidos, mas Rick está em desvantagem nesta situação: ele precisa da segurança proporcionada pela fazenda de Hershel, enquanto o último só quer os potenciais criadores de problema fora de sua propriedade. Assim como quando Carl foi baleado, uma possível ameaça à estabilidade do grupo vem da atitude de um ser humano, e não do ataque de errantes. Junte isso às discussões de daddy issues e você terá mais uma storyline através da qual os roteiristas tentaram aumentar a complexidade de seus personagens e quase chegaram lá.

A batalha pela vida de Carl também chegou ao fim, de maneira satisfatória, apesar das consequências emocionais: agora, com a gravidez de Lori e Shane sendo visto como um herói por ter salvo o garoto, a situação Rick-Lori-Shane encaminha-se para seu clímax. Jogando mais lenha na fogueira, o roteiro explicitou a opinião de Shane sobre assassinato na conversa com Andrea e Carol, e deixou claro que ele não tem nem um pingo de remorso pelo que fez a Otis na cena do funeral simbólico, indicando para uma resolução trágica para esse triângulo amoroso (mas, se alguém for rodar, indubitavelmente será Shane).

Glenn e Maggie começaram seu relacionamento com um sexo casual motivado pela solidão. Esse é um dos temas principais do seriado, e essa segunda temporada está fazendo questão de enfatizá-lo. A maioria dos relacionamentos construídos entre os sobreviventes não é por simples empatia ou sentimentos fortes – eles precisam de alguém; sozinhos enlouqueceriam. A amizade de Dale e T-Dog é outro exemplo. Achei ótima a cena em que Dale promete que não vai expor as ideias egoístas de T-Dog para o resto do grupo.

O que nos leva ao poço. Jesus, o que foi esse poço. Ver os coadjuvantes reunidos para resolver um problema que afetaria a todos foi bem interessante, e ver um zumbi apodrecendo em uma prisão d’água foi mais interessante ainda, mas a condução dessa trama teve diversas implausibilidades. A começar pela ideia de pescar um zumbi (eita) com um queijo (puts). Passando pela inacreditável cena em que alguém diz “é, nos vamos precisar de uma isca viva…” e todos olham para Glenn (tinha um zumbi dentro do poço há só-Deus-sabe quanto tempo, aquela fonte de água já era! Por que arriscar a vida de um membro do grupo?! Mas tá, já que eles queriam retirar o zumbi de lá, eles não tinham uma galinha, um bife ou qualquer coisa que não fosse uma pessoa e que fosse carne?!). Sem se esquecer da inexplicável sequência onde Glenn, depois de gritar feito uma franga, sai do poço com aquela pose de “não-contavam-com-a-minha-astúcia” dizendo que conseguiu passar o laço por debaixo dos braços do zumbi que estava tentando comê-lo, ou da insensatez que foi confiar a vida do rapaz em um hidrante enferrujado. Pelo menos isso tudo nos levou à cena genial do zumbi explodindo em vísceras metade dentro, metade fora do poço, seguida pelo T-Dog esmagando a cabeça do monstro com um pé-de-cabra. Se The Walking Dead não trouxesse tanta recompensa em forma de goreness, esses absurdos seriam difíceis de se relevar.

O episódio ainda mostrou um Daryl bastante sensível, contando a lenda da Rosa Cherokee para Carol. Pela primeira vez em um bom tempo, seu irmão Merle foi citado (aliás, tem gente que acredita que o desaparecimento de Sophia e o reaparecimento de Merle estejam conectados… o próximo episódio trará a resposta). Não tivemos mais menções ao envolvimento dele com Andrea, e eu espero que as cenas do episódio anterior não tenham sido apenas insinuações aleatórias. Já que a popularidade de Daryl é praticamente uma unanimidade e a vontade de quebrar o pescoço de Andrea também é compartilhada por muitos fãs do seriado, seria uma boa oportunidade de melhorar a imagem que temos da moça.

Em suma, poucos minutos de Cherokee Rose serão relevantes de verdade para o futuro da série, mas isso não quer dizer que eu me arrependo de ter assistido o resto do episódio. A enrolação toda no poço, apesar das frustrações que causou, prendeu minha atenção, a qualidade dos diálogos melhorou um pouco, os momentos de emoção e desenvolvimento de personagens não pareceram excessivamente pacatos ou sem necessidade, e ainda houve tempo para a introdução de novos elementos que há muito eram aguardados pelos telespectadores.

O início segunda temporada deThe Walking Dead foi bastante homogêneo e satisfatório. Se Save the Last One foi bombástico e repleto de acontecimentos, Cherokee Rose foi um bálsamo para a tensão sufocante e ininterrupta sob a qual vivem os sobreviventes de Atlanta, apesar de não ter sido o melhor momento do seriado. Mas agora, com o surgimento de novas tramas que devem conduzir a série durante os próximos episódios, já é hora de fechar alguns arcos secundários que não servem mais ao propósito de entreter e pouco fazem no quesito preenchimento de tempo (Sophia, acabou a brinks). Apesar dos tropeços e das incongruências (todos perdoáveis, vai),  os produtores estão indo pelo caminho certo: querem uma série do calibre das outras produções da AMC? Continuem investindo no desenvolvimento de personagens, mas não joguem as vísceras e os banhos de sangue para escanteio. Quem sabe um dia, The Walking Dead?

PS.: Esses dois últimos episódios foram repletos de dicas sobre o que está realmente acontecendo na fazenda. Alguém que não tenha lido a HQ encontrou-as?


João Miguel

Bela Vista do Paraíso - PR

Série Favorita: Arquivo X

Não assiste de jeito nenhum: Reality Shows

×