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Sherlock – 2×03 The Reichenbach Fall (Season Finale)

Por: em 19 de janeiro de 2012

Sherlock – 2×03 The Reichenbach Fall (Season Finale)

Por: em

221B

Aqui residiam juntos dois homens notáveis 
Que nunca viveram e portanto nunca morrerão: 
O quão perto eles parecem estar, entretanto, o quão remota
É aquela época, antes do mundo tornar-se torto.
Mas ainda assim, o jogo está de pé para aqueles cujos ouvidos
Estão atentos para captar o distante “view-halloo“:
A Inglaterra ainda é a Inglaterra, para todos os nossos medos –
Apenas as coisas nas quais o coração acredita são verdadeiras.

Uma neblina amarela serpeia  pela vidraça
Enquanto a noite cai sobre esta rua encantada:
Uma trole solitária anda pela chuva,
As fantasmagóricas lamparinas falham a sete palmos
Aqui, apesar do mundo ter explodido, estes dois sobreviveram,
E para sempre será mil oitocentos e noventa e cinco.

Um episódio praticamente impecável, este final de temporada de Sherlock merece aplausos por diversos motivos, mas principalmente, por conseguir emocionar e mobilizar o fandom do personagem de maneira semelhante à acontecida em 1893, quando sua suposta morte acontecera pela primeira vez. Mais do que dos filmes de Guy Ritchie ou das outras diversas séries de TV que usam Sherlock Holmes como inspiração (The Mentalist, Psych, House, Monketc.), é mérito desta genial série da BBC o retorno deste universo à uma posição de destaque na cultura pop de nossos tempos.

A reação do público ao conto O Problema Final, que termina com a queda de Moriarty e Holmes das Cataratas de Reichenbach, foi negativa – e incisiva. Em um fenômeno sem precedentes na história da literatura inglesa, Conan Doyle levou bolsadas de uma leitora na rua, recebeu cartas e mais cartas de fãs que não aceitavam ser aquele o fim do Grande Detetive e propostas irrecusáveis de revistas que queriam aquela mina dos ovos de ouro de volta. Anos depois, a pedido do público, Holmes ressurge, e depois disso o autor nunca mais falou em matar o personagem, que continua vivo até hoje em aventuras escritas por outros autores. Nenhuma alcançou sucesso semelhante ou despertou nada comparável. Até Sherlock.

É claro que a série não equipara-se aos livros em impacto cultural e que diversas adaptações, histórias não-canônicas e histórias que se baseiam neste mito obtiveram sucesso tão grande quanto o obtido pela série (ou até maior), mas as reações que sua reimaginação da “morte” de Sherlock Holmes suscitou foram fortes. Acredito que nenhuma adaptação de O Problema Final tenha conseguido uma repercussão tão ampla quanto este episódio (e esta não é a primeira adaptação pós-internet). E foi dessa maneira épica que Sherlock encerrou sua temporada.

A cena do início de The Reichenbach Fall não foi nada inesperada para quem já leu o conto, mas foi suficiente para nos colocar em expectativa: eles fariam. Seguiriam com a história de maneira semelhante à feita nos livros. Nenhuma surpresinha “witty” anticlimática como no início de A Scandal in Belgravia. O embate entre Sherlock e Moriarty finalmente aconteceria, e Sherlock Holmes seria dado como morto no final dele. Eu realmente fiquei me perguntando se seria interessante fazer isso nesta adaptação. Todos os telespectadores, tendo lido ou não o conto, sabiam que Sherlock não morreria, a terceira temporada já estava confirmada… como tornar essa experiência impactante para um público que não acredita mais nela?

Por isso, durante o episódio, acreditei que o motivo do luto de John era a morte do detetive Sherlock, do “CSI Baker Street“. Achei que Moriarty ia conseguir desacreditar Sherlock e ele fugiria, ou seria preso. E, ao contrário de muitos, eu não acharia esse final decepcionante, pois as investigações eram tudo para Sherlock. Ele não tinha muito mais pelo que viver. Por isso o jogo de Moriarty é tão genial: ele fez Sherlock escolher entre aquilo que lhe tornava um deus e aqueles que lhe tornavam humano. E Sherlock não conseguiu vencê-lo porque não sabia lidar com ele; todos os criminosos que ele enfrentou anteriormente tinham motivações, objetivos (lucro, vingança, etc.). Moriarty só queria jogar.

A natureza de Sherlock é bastante discutida na série. Por que ele é assim? Uma síndrome, um trauma, o que o deixou tão frio? Sabiamente, os roteiristas nunca nos deram uma resposta conclusiva, mas o processo de humanização de Sherlock foi o foco desta temporada. Paixão, medo, raiva, um a um esses sentimentos pegavam-no de surpresa a cada caso. Esse processo chegou a seu clímax na cena do telhado. Sherlock tinha um plano, sabia que não ia morrer, mas chorou por entender que John sofreria ao pensar que ele morreu e ao ter que lidar com todos dizendo que ele era uma farsa.

Por isso considero essa versão de O Problema Final um acerto. Na literatura, Holmes fez tudo premeditadamente e mostrou pouco se importar com o sentimento daqueles a seu redor. Aqui, os roteiristas conseguiram colocar o personagem na posição de vítima das circunstâncias e usar a situação para mostrar o quão humano ele consegue ser, por seus amigos, mas mantiveram a essência do conto: Sherlock enfrenta um inimigo tão poderoso que a única maneira de derrotá-lo é fazê-lo acreditar que ele estará levando o detetive junto com ele.

O Moriarty de Andrew Scott é a coisa mais absurda que já passou pela série – no bom sentido. Ele é caricato, imprevisível, sádico, sua loucura é demais até mesmo para Sherlock. A interpretação desvairada de Andrew enriquece ainda mais o personagem; ele consegue ser engraçado, creepy e elegante na mesma cena. O Moriarty dos livros é um calculista chefão do crime organizado, desses vilões que ficam sentados em uma poltrona com as pernas cruzadas tocando as pontas dos dedos com um olhar enigmático. Já o da série é um personagem de um cartoon nonsense jogando bigornas do alto de prédios, mas também capaz de desestabilizar as bases da segurança londrina, verdadeiros símbolos do poder e do controle britânico. Essa transformação é mais um risco que a produção decidiu correr, e deu muito certo, resultando em um vilão divertido, mas que tem a carga de seriedade que o grande nêmesis de Sherlock Holmes pede.

Sherlock já havia mostrado seu apreço por John e por Miss Hudson (a seu modo) em outros episódios, mas é a primeira vez que Lestrade é colocado na seleta lista de amigos de Sherlock. Gosto muito do personagem e quero uma participação maior dele na próxima temporada. Toda série repleta de personagens excêntricos precisa de uma pessoa comum, alguém com quem o público possa se identificar. No meio de um viciado por adrenalina, uma senhoria que deixa seu inquilino ter partes de um corpo humano na geladeira e alguém como o personagem título, um personagem fã de futebol, que bate ponto todo dia e acha isso tudo uma loucura é importante para deixar aquilo mais crível. Molly foi outra personagem secundária que teve uma participação surpreendente neste episódio (e crucial para a fake death de Sherlock, pelo que tudo indica), aliando as já conhecidas timidez e serenidade da personagem com uma sensibilidade capaz de desconcertar Sherlock. Mycroft, que na série já ganha uma importância muito maior do que a que tem nos livros, conseguiu tornar-se ainda mais interessante agora que sente-se culpado pela desonra e morte do irmão. O roteiro manteve-o como o “irmão mais velho mais inteligente” de Sherlock, mas soube brincar com isso.

Mas o episódio foi de Sherlock, John e Moriarty. Os três estavam awesome demais neste episódio. Sherlock desprezando os presentes que ganhava de seus clientes, esculachando a jornalista (em mais uma brincadeira dos roteiristas com os fãs), assustando a babá das crianças, “sendo ele mesmo” no tribunal… se no episódio passado eu não me impressionei muito com suas deduções, neste ele calou a minha boca. Moriarty na cena das Joias da Coroa e criando o maior mindfuck da série (maior até que a droga H.O.U.N.D. do episódio anterior) como Richard Brooke e depois “trollando” com Sherlock ao se suicidar – é ou não é o melhor vilão maníaco dos últimos tempos? E John provando mais uma vez sua fidelidade a Sherlock, sendo preso por ele, virando um fugitivo por ele e depois pedindo para ele voltar na cena no cemitério… esse episódio foi de matar.

Tudo foi muito bem feito neste episódio. Efeitos visuais, sonoplastia, cada detalhe. Adorei os ícones do celular do Moriarty na cena da coroa, o ritmo dessa cena, a música clássica, Sherlock visualizando o mapa de Londres (muito melhor que aquele “mind palace” do episódio passado), os diversos anjos espalhados como easter eggs (como no grafites atrás de John e Watson na cena em que eles fogem), os “I O U” de Moriarty… tudo bom demais.

Mas voltando à cena do chefe superintendente (em quem o John dá o soco), realmente, o Sherlock é civil. Como eles davam tantas informações confidenciais de bandeja pra ele? Por causa do Mycroft, talvez?

Enfim, The Reichenbach Fall foi tão incrível quanto prometeu ser. Os produtores entendiam a expectativa criada em cima deste episódio, e fizeram-no grandioso em cada detalhe. Acelerado, instigante, tão impactante quanto possível, aproveitando todas as possibilidades dramáticas proporcionadas pela história. É uma pena que aquela que sem dúvidas será uma das melhores séries de 2012 tenha se apresentado apenas durante a primeira quinzena do ano, mas essa micro-temporada já foi suficiente para revitalizar o vício dos fãs no seriado, que certamente não se esquecerá dela até seu retorno, em 2013.

Leia O Problema Final aqui. Se quiser saber como o Sherlock Holmes original sobreviveu à queda, leia o conto A Casa Vazia (são obras de domínio público, portanto, não é ilegal lê-los pela internet).

Referências:

– “The Diogenes Club” é um clube fictício para homens distintos que é cenário de algumas histórias de Sherlock Holmes (como O Intérprete Grego);

– Mycroft diz a John: “We don’t want a repeat of 1972“. Esse ano foi bastante conturbado para o Reino Unido; Bloody Sunday, Bloody Friday, Bloody Monday, protestos, revolta popular, A Questão Irlandesa, etc.;

Douglas Wilmer, ator que apareceu na cena em que Mycroft chama John para conversar, já interpretou Sherlock Holmes e é um famoso sherlockiano;

– O poema “221B“, no início do post, é do escritor americano (e sherlockiano) Vincent Starrett (1886 – 1974) sobre o legado do cânone de Conan Doyle. A tradução tosca e mal feita foi por minha conta, leia o poema original em inglês aqui.

Para mais manifestações dos fãs de Sherlock, clique aqui.

Trilha sonora:

La Gazza Ladra, Gioacchino Rossini (cena em que Moriarty tenta roubar as Joias da Coroa);

Sinnerman, Nina Simone (cena em que Sherlock e Watson estão se preparando para ir ao tribunal);

Stayin’ Alive, Bee Gees (início da cena do telhado)

Lembram de mais alguma?

A pergunta que fica é: como Sherlock sobreviveu? Já existem as mais variadas teorias pela internet, envolvendo a droga de The Hounds of Baskerville, a rede de mendigos… o que você acha?


João Miguel

Bela Vista do Paraíso - PR

Série Favorita: Arquivo X

Não assiste de jeito nenhum: Reality Shows

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